Finitude

contém amor explícito

Episode Summary

Este episódio não é indicado para menores de 18 anos. Mas altamente recomendado para o restante das idades, sobretudo para quem está acima dos 60 anos. Esta edição traz um papo com a escritora Isabel Dias. É um presente do Finitude pra você. Desembrulhe sem pudor.

Episode Notes

Este episódio não é indicado para menores de 18 anos. Mas altamente recomendado para o restante das idades, sobretudo para quem está acima dos 60 anos. Esta edição traz um papo com a escritora Isabel Dias. É um presente do Finitude pra você. Desembrulhe sem pudor.

Minidoc Acende a luz, do qual Isabel Dias participa. Direção de Paula Sacchetta e Renan Flumian:

https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/acende-a-luz.htm

Reportagem do jornalista Chico Felitti citada no episódio:

https://www.buzzfeed.com/br/felitti/fofao-da-augusta-quem-me-chama-assim-nao-me-conhece

Roteiro completo para leitura:

https://medium.com/@finitudepodcast/finitude-podcast-cont%C3%A9m-amor-expl%C3%ADcito-22527eec360a

***

O podcast Finitude foi criado por Renan Sukevicius e é apresentado por Juliana Dantas. O Finitude está no Instagram (@finitudepodcast) e no Twitter (@podcastfinitude). Para ser um apoiador, acesse www.apoia.se/finitudepodcast.  O Finitude é um podcast da Rádio Guarda-chuva, que é a primeira rede brasileira dedicada exclusivamente a podcasts jornalísticos. O Finitude também é associado à rede B9. Episódios novos no seu tocador toda terça-feira. Você pode encontrá-los no Spotify, Orelo, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e demais agregadores. Para contatos comerciais, escreva para finitudepodcast@gmail.com.

Trilha sonora:

"Odyssey" by Kevin MacLeod (https://incompetech.com ) License: CC BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ ) Music from https://filmmusic.io  "Industrious Ferret" by Kevin MacLeod (https://incompetech.com) License: CC BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ ) Music from https://filmmusic.io

 

Music from https://filmmusic.io

"Every Passing Second" by Otis Galloway ()

License: CC BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ )

Episode Transcription

{Vinheta da Rádio Guarda-chuva em que uma voz feminina diz: este podcast é uma produção da Rádio Guarda-chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir. Aparece o barulho de um guarda-chuva abrindo e de chuva caindo}

{Áudio do documentário “Acende a Luz”:

Música suave, com predominância de piano e violino

Voz feminina diz:

Ah, o orgasmo pra mim é a meia-morte, né? É como se a gente morresse e aí você volta pro corpo, né? Arrepia, dói tudo, mas aí… você sai flutuando…

Narração da apresentadora:

Essa, senhoras e senhores, é a Isabel Dias…

Volta voz feminina anterior:

De vez em quando eu não gosto muito da minha bunda, mas eu acho que eu to ótima… Vivida, comida, gostada, amada, ta certo? Eu to ótima…}

Volta narração da apresentadora:

Eu sou Juliana Dantas. E esse áudio que a gente ta escutando é um trechinho do mini-documentário “Acende a luz”. A produção, dirigida por Paula Sacchetta e Renan Flumian, já começa com ela na cama.

Só de calcinha, nos lençóis.

Uma mulher magra, de pele branca e levemente enrugada. Aos poucos, vamos descobrindo os cabelos também brancos e brilhantes, um pouco enrolados. Os olhos castanhos e as unhas das mãos pintadas com um esmalte claro e cintilante. Uma mulher muito, mas muito elegante.

Isabel:

Eu na verdade quando o jovem escrevia, tinha diários, fazia longas cartas e gostava muito. E aí o tempo passou, eu guardei o lápis e o papel na gaveta. Quando eu separei, 32 anos depois de um casamento — e foi uma separação para mim muito traumática -, a própria terapeuta me falou: “se você tiver bons momentos, registra para você perceber que sua vida não é essa merda que tá sendo”. E aí eu comecei a escrever. Primeiro da minhas dor, do meu sofrimento, da raiva que eu tinha dele, né, da raiva de mim de não ter enxergado tanto a traição dele e não ser me apercebido que eu tava dormindo com inimigo, né, e aí eu comecei a escrever…. até que um dos filhos leu, porque ele tava fora do Brasil….

Apresentadora:

Esse filho? Chico Felitti, um dos maiores jornalistas brasileiros da nova geração.

Isabel:

…e ele falou: “mãe, você tem bastante material?” Falei: “Ah, tenho um pouco”. “Mãe, nós vamos fazer um livro!” Eu falei: “Cê é louco, magina, eu nunca escrevi na minha vida, eu mal sei regra de Português”. E aí ele falou: “nós vamos fazer!”. E deu!}

Apresentadora:

Na época, o Chico estava vivendo na Turquia. Por mais que os outros dois filhos estivessem por aqui, algo na Isabel fez com que ela apostasse na distância pra ter coragem em compartilhar as primeiras linhas…

{Porque eu falei: “tô escrevendo”. E ele falou: “o que?”. E eu falei: “ah, meio uma ficção, uns contos eróticos”…. Porque eu escrevi as minhas experiências sexuais todas na terceira pessoa. Então, pra mim, eu falei “Ah, ele não vai descobrir nunca que sou eu”…

(Pausa)

Descobriu…..

Apresentadora ri e diz: olha só, spoiler! Hahaha

Isabel: descobriu… não, e ele foi ele o meu grande incentivador, porque eu garanto para você que se tivesse ficado só naquilo que eu escrevia para mim eu nunca teria coragem de fazer tudo que eu fiz.

Daí eu falava assim: “ah, não, vou botar um pseudônimo”. Porque quando eu entrei no site de namoros, eu entrava pseudônimo. Eu era Estela Andrade. E a orientação que eu recebi, o conselho foi: se você quer que vire verdade, que seja real, você tem que assinar, que senão vai ser ficção. Qualquer outro nome que você escreva.

Apresentadora: mas isso é uma lição pra vida, né?

Isabel: pra vida…

Apresentadora: de assumir a autoria do atentado, né? Hahahaha

Isabel: EXATO! Pra mim, naquele momento, eu não tinha nada perder. Eu tinha perdido meu futuro, eu tinha perdido meu castelo encantado, eu tinha perdido a vida perfeita, de madame. O que que eu ia perder? Eu não tinha mais nada! Eu tava remediada, em São Paulo, sozinha, por que que eu não iria contar, né, das minhas aventuras? Tava devendo nada para ninguém. E aí botei lá “ISABEL DIAS”. Deu um frio na barriga, menina, eu quase desisti. Mas a gente vai e vai com medo, né?

Apresentadora: você sempre foi liberal assim no sexo?

Nããão! Eu sempre fui super quadradinha, menina, dentro da gaveta! Eu casei com meu primeiro homem. Eu tinha UM MEDO de transar. Hoje eu olho para trás e falo: “gente, acho que alguns namoros não deram certo porque eu não chegava nos finalmentes”, mas eu tinha um medo.. Sabe aquela coisa de falta de informação, medo da decepção, eu ouvia muito minha mãe falar: “olha, pelo amor de Deus, vai estragar sua vida, vai estragar, vai ficar falada”… porque cidade do interior é isso, né, tem a menina namorar e a menina de casar. TINHA, graças a Deus. Então, eu ouvia muito, eu tinha muita esse estigma de que quem transa não vale nada. E aí eu casei com meu primeiro homem. E quando eu me separei, por conta das traições dele, eu falei “ué, ele disse que eu sou uma porcaria. Será que nenhum homem vai querer nunca mais?” E eu tava um osso só do sofrimento, né, da separação e acontece que deu certo. E aí veio primeiro, e do primeiro veio o segundo, e do segundo veio o terceiro e eu repeti. Então, eu diria pra você que… que EU me provei que eu não sou aquela porcaria que eu imaginava.}

Apresentadora:

O que começou como vingança, aos 58 anos, fez surgir o livro “32: um homem pra cada ano que passei com você”, lançado em 2015. E essa história toda, essa mulher toda, chamaram mesmo a atenção. A produção daquele curta que a gente começou ouvindo aqui nesse episódio chegou no ano passado de mansinho até conseguir extrair o melhor de Isabel…

Isabel:

{Quando eles falaram comigo da intenção foi assim, foi primeiro uma entrevista… “Ah, não, nós estamos pensando quem sabe em fazer uns takes no banheiro, você saindo do banho enrolada na toalha…” Eu achei lindo, que toalha toda maior do que a roupa que eu tô vestindo, né? Aí eu falei: “Ah, tá bom, uma toalha… na cabeça…” Eu achei ótimo. E aí na hora que eles formataram, eles falaram “não, nós queremos pegar um pouco da sua intimidade, mas você vai até onde você quiser, você vai ter liberdade, como é um doc não tem um roteiro, tem uma programação de filmagem, mas vocês só vão fazer aquilo que vocês quiserem”. E eu vim para casa, pensei, pensei e eu falei: e por que não? Né? A finalidade do doc, que eles sempre me expressaram eu acho maravilhosa: é “vai ter corpo enrugado e fora de forma na tela, sim!” Nós estamos velhos mas não estamos mortos. E precisa tirar esse estigma de que vó nenhuma faz sexo. Faz, sim! E gosta! E sente falta quando não faz. E se satisfaz sozinha. E eu, na época do lançamento do livro eu recebi muita mensagem de apoio.. “Ai, eu li o livro, você me apoia, porque eu separei, porque a história é parecida…” Então o volume de informação foi tão grande que eu falei “gente, eu sem querer tô ajudando muita gente!” Eu não esperava que o livro fosse o sucesso e não esperava receber essa receptividade de mulheres que viveram ou vivem a mesma coisa que eu}

Apresentadora:

Com isso na cabeça, ela pensou melhor sobre a filmagem do mini-documentário e voltou a se perguntar: e por que não?

Isabel:

{…e conversei com Caetano e Caetano topou! Daí ainda nós falamos “Bom, mas ir até onde?”

Apresentadora: o Caetano é o crush?

Isabel: É… é..! Nós vamos até onde a gente quiser. E a equipe foi extremamente respeitosa, eu acho que isso para mim foi a maior descoberta. Porque um pessoal todo jovem, sabe, mas você sentia que ninguém tava nos julgando. Tanto eu quanto ele sentiu isso. Então, a hora em que ele tirou minha roupa, que foi a primeira cena e que foi uma coisa… porque Caetano tinha compromisso, então nós começamos a filmagem os dois na cama e a hora que ele tirou minha calça comprida, eu falei “Ai, Jesus, e agora?”… Mas o ambiente tava assim como se nós estivéssemos sozinhos! A brincadeira… porque nós não ficamos pesados, sabe, preocupados em ter que representar… não, tá certo? Se fosse só um beijinho no cangote, seria só um beijinho na cangote. E no entanto a coisa foi tão boa, tão divertida, né, que eu digo para você: nós paramos porque os diretores falaram: “corta”! Porque nós estávamos à vontade para ficar ali mais tempo. E isso, para mim, foi uma vitória! Uma vitória como mulher, como pessoa… de saber que eu sou dona do meu corpo, dos meus desejos e que eu posso tudo. (Pausa) Tudo, não. Eu posso o que eu quiser. Porque tem muita coisa que eu posso, mas não quero.

Apresentadora: em termos de faixa etária. Você se considera: idosa, velha, da terceira idade… ou… aquela… melhor idade? Risos

Isabel: não…! Eu sou velha! Eu sou velha com muito orgulho! “Terceira idade”, pra mim, eu enxergo como “pessoa de terceira categoria”, não é first class, ta certo?

Apresentadora:

Nesse momento, minha gente, eu já tava aqui em casa comemorando e vibrando feito gol numa Copa do Mundo. Olha essa chance dessa conversa com essa mulher maravilhosa…

Isabel:

…eu sou velha do mesmo jeito que eu fui uma mulher madura, eu fui uma mulher jovem, uma adolescente, uma criança e um bebê. Então eu acho que é todos esses apelidos… pseudônimos que inventam, tá certo? “Melhor idade”… melhor o escambau! Melhor se eu tivesse os seus 20 anos, tá certo, com a cabeça que eu tenho agora! Já que eu não tenho, eu vou trabalhar com a minha celulite, com a minha flacidez e com o prazer que esse corpo vai me dar!

Apresentadora: por que que você acha que as pessoas ou a sociedade consideram que envelhecer é um defeito? Você até pode envelhecer, mas tem que parecer jovem, por quê?

Isabel: primeiro porque comercialmente velho não vende nada. Segundo, e acho que aí culturalmente, né a mulher velha ou a mulher que passa da menopausa, ela deixa de procriar, e automaticamente mudam os hormônios. Então, o bicho, a raça, né, o homem, ele procura a fêmea que tem os hormônios. Isso é a lei natural. Eu demorei para entender porque que um velhinho de 80 quer fazer filho numa menina de 35, tá certo, e ninguém quer a velhinha. Porque tem, biologicamente, uma justificativa… é hormonal…

Apresentadora: e socialmente o machismo….

Isabel: e socialmente o machismo… E eu acho que assim… culturalmente a mulher sempre teve, continua tendo, que se preservar. Pra quem?

Porque, Juliana, uma coisa que eu senti muito é eu não tenho ideia de quantas mulheres vieram pra minha cama… junto com meu ex. E eu tava lá, tá certo? Pura, intocável. Mas e o que eu recebi dele… que ele trouxe da rua? Então automaticamente esses homens velhos que acham que a mulher não tem… elas acabam tendo um ciclo em decorrência da falta de consciência do homem…

Apresentadora: isso é muito grave, inclusive em termos de saúde, né?

Isabel: Mas lógico. A Aids está crescendo eeeexponencialmente nas mulheres casadas e velhas.

Apresentadora:

Pois é, e o número de infectados acima dos 60 anos tem aumentado. Uma estimativa recente prevê que, se nada for feito em termos de políticas públicas, há uma tendência mundial de que 70% dos idosos do mundo terão o vírus até 2030.

Isabel: E não são elas saindo para transar na hora do almoço, são os homens que estão trazendo. Porque a minha geração é a geração é a do não usar a camisinha… do amor livre, da pílula. Anos 70. Então, os homens alegam que “ah, mas eu nunca transei com camisinha” Porque naquela época não transava mesmo.

Apresentadora: e tem diferença entre o sexo que você conheceu antes dos 60 e o que você ta experimentando agora, depois dos 60?

Isabel: tem. Tem muita diferença. Primeiro porque hoje eu conheço muito mais meu corpo. Eu sei do que eu gosto, onde eu gosto e como eu gosto. Então, hoje eu falo para o meu parceiro o que eu quero e antes eu não falava. Antes, eu acho que eu esperava muito as iniciativas dele. Então era aquele… aquela rotina, sabe, aquela pré-programação: beijinho e abracinho, desce uma linguinha ali, sobe, entra, goza, acabou! E hoje não! Hoje eu acho que a minha facilidade em dizer “não, nós vamos começar assim, nós vamos falar assado…!” E eu brinco muito que eu fiquei muito egoísta porque hoje eu sou “Primeiro eu, depois você” E quando eu comecei nesse processo, eu era exatamente o “primeiro ele, depois eu” Hoje, não! Tá certo? Eu fui entendendo que o domínio do meu corpo ele passa muito na minha liberdade.

Apresentadora: e como é que você ta fazendo agora com o sexo na quarentena?

Isabel: Ah, Juliana, eu me viro bem sozinha…! Eu adoro eu tenho uma companhia, mas eu não deixo de me tocar de ter um orgasmo delicioso, não deixo… Mas eu preservo muito a vida no sentido de que eu não vou sair por aí, sabe, me arriscando. E hoje a gente tem a virtualidade, que é uma delícia também, né, você abre uma câmera… Não dá para tocar, você não sente o cheiro, mas é um prazer diferente, mas não deixa de ser prazer.

Apresentadora:

Agora, imagine você: eu estava no meio dessa conversa maravilhosa e a plataforma de gravação online fez o que? Caiu. Eu gelei, esquentei, daí gelei de novo. Pensa só se eu tivesse perdido toda essa preciosidade que a gente ouviu até aqui. Por sorte, naquele dia, os santos protetores dos podcasters estavam ao meu lado e eu consegui recuperar tudo. Mas ainda faltava um pouquinho de conversa com a Isabel e ela, gentilmente, topou continuar falando comigo quando a belezinha da plataforma recobrou a consciência. Eu não sei se você sabe, mas a Isabel é peça fundamental pra que acontecesse uma das reportagens de maior repercussão dos últimos tempos…

Eu vou aproveitar essa pausa pra te uns recados rapidinhos e já, já te conto:

{Trilha sonora mista com barulho de avião e trem}

Essa é a hora, meu povo, pra checar se você já tem apertado aquele botãozinho de “seguir” o Finitude aí na sua plataforma de áudio preferida. Se ainda não tem, clica lá, porque o seu tocador de podcasts vai se encarregar de te avisar toda vez que tiver episódio novo do Fini no ar, sempre às terças-feiras.

E eu queria te fazer um convite para visitar a nossa página apoia.se/finitudepodcast, onde você pode escolher uma quantia a partir de 10 reais para contribuir mensalmente com a gente. É tudo bem rapidinho e, ao tomar essa decisão, você passa a receber a nossa newsletter toda quinta-feira. Se você tem uma marca, uma empresa, uma iniciativa e quer divulgá-la aqui no Finitude, escreve pra gente. Vamos pensar numa parceria comercial? finitudepodcast@gmail.com. Já tamo voltando pro finzinho do papo com a Isabel, ainda neste episódio tem a coluna do Fininho, que é coveiro, filósofo, ta sempre de 15 em 15 dias aqui no Finitude, e também um recado dos nossos colegas do Budejo, que nessa semana vão chegar ao episódio 60, fica com a gente até o final, ta bom?

{Trilha sonora}

Apresentadora continua o episódio:

Contato restabelecido com a Isabel e eu logo aproveitei pra me justificar: Isabel, isso nunca me aconteceu antes, eu juro!

{Hahahaha… Olha, essa frase eu vou te contar, eu já ouvi algumas vezes…. E morri de rir. E também já ouvi: nossa, de novo? Hahahaha}

Apresentadora ri também e segue a narração:

Mas vamo parar de palhaçada que o Finitude é coisa séria, rapaz, ta pensando o que? Ai, ai, quanta besteira… risos

Agora, eu queria saber da Isabel o que ela achava sobre essa vida com extrema assepsia que muita gente tenta levar… Uma coisa de transmitir uma imagem plástica, sem defeitos…

Isabel:

{Eu acho que o mundo é bem melhor real, Primeiro porque a gente tem que cair na realidade em que a gente vive. Não adianta você se fantasiar, porque eu não vou ser Luiza Brunet nunca, eu não vou ser Bruna Lombardi, mas eu posso ser Isabel Dias..

Apresentadora: E uma belíssima Isabel Dias, não?

Isabel: …então, eu não sei se belíssima, mas eu acho que a minha aceitação me fez muito mais bonita. Eu não sabia responder elogio, eu ficava morrendo de vergonha, sabe? Hoje eu me olho e falo: ai, eu sou mesmo, sabe? 65 anos, eu tô bem para caramba! Então, essa assepsia, essa pasteurização… eu acho que não vale a pena. Eu era completamente pasteurizada. No meu grupo era só tailleur, era só, sabe, camisa de manga… porque não pode mostrar o braço, biquíni era só durante a semana, porque na piscina do clube final de semana tinha muita gente. Então, é uma pasteurização em que você, principalmente a mulher, a gente vira escrava! Escrava de normas sociais, culturais, de visão dos outros… Ah, to fora, quem paga as minhas contas sou eu, tá certo? Adoro, adoro me sentir, me saber uma mulher viva, cheia de imperfeições e não critico quem quer operar, opera, quem quer tirar, tira, mas eu não tenho essa coragem comigo}

Apresentadora:

Eu não sei vocês… Mas eu me sinto diante de uma primavera. A Isabel emana frescor, transparece recomeços. E um deles aconteceu há um mês, quando a filha dela deu a luz ao Nicolas…

{Ai, a coisa mais fofa do mundo! E aí eu fiz uma quarentena, fui ficar com ela as primeiras semanas, agora já voltei, ainda bem que tem internet, né?

Apresentadora: e como é se descobrir avó, Isabel?

Isabel: Nossa, é tão gostoso… porque ele começa a chorar, você fala: “Toma, que o filho é seu!”, tá certo, é aquela sensação que todo mundo descreve… descompromissada. Não descompromissada com o bebê, mas você sabe que a sua decisão ou o seu pensamento pode ajudá-los, mas a responsabilidade, aquele fardo que a gente carrega quando tem filho você não tem. Eu não tenho que me preocupar se dão chupeta, se não dão chupeta. Se é demanda… amamentação por livre demanda, se tem horário, se acorda o bebê. Eu adoro isso porque eu tive três. E eu tinha uma insegurança, menina, se você quer saber… acho que a única época em que eu tive medo da morte foi essa época…

Apresentadora: quando teve filho?

Isabel: quando eu tive filho. Eu morria de medo… “eu vou morrer, quem vai cuidar deles?”, “O pai vai morrer, quem vai mantê-los?” Então assim… foi uma época que até que eles alçaram voo, eu tinha essa nuvem acima da minha cabeça… é engraçado isso.

Apresentadora: não tem mais?

Isabel: Eu diria a você que não é que eu não tenho mais, mas hoje a finitude tá aí.. que a morte não existe, né, é um abraço. E eu acho que isso tá muito ligado… eu perdi meu pai muito cedo, eu tinha 4 para 5 anos. Então, a minha vida inteira eu passei com a morte. Com a morte no sentido.. “Ah, ela é filha da viúva… o pai morreu…” Então, sempre foram experiências em que… eu quando engravidei e tive os bebês, eu não consegui me desligar totalmente. Porque eu me colocava sempre nesse papel, né, meu pai morreu, ele tinha 33 anos, minha mãe tinha 27, nós já éramos em três e minha mãe tava grávida da quarta. Então, foi assim.. na época eu não tinha consciência disso, mas hoje eu olho eu falo: “meu Deus, como que minha mãe sobreviveu, né, a tudo isso…?” Ela teve ajuda em tudo… e eu me colocava, eu me enxergava como ela.}

Apresentadora:

E agora a gente vai entrar numa história que talvez seja um pouco mais familiar pra quem mora na capital paulista — mas que alcançou repercussão nacional. Por cerca de 20 anos, houve uma figura que perambulava pelas ruas da região central, pelo entorno da Avenida Paulista. Um homem que tinha bochechas maiores do que a média e que foi apelidado pejorativamente de Fofão da Augusta. Augusta é uma rua boêmia aqui de São Paulo… Lembra que a gente falou que o Chico Felitti é um dos filhos da Isabel? Pois bem. Ele que resolveu investir incansavelmente em conseguir falar com aquele homem que era meio motivo de piada, meio motivo de medo pra quem cruzava o caminho dele. O Chico foi o primeiro a querer saber qual era o nome daquele ser humano: Ricardo. Mas nunca, nunca conseguia a tal entrevista.

Com quem o Ricardo criou vínculo, mesmo, foi com a Isabel, que acompanhou o Chico numa visita ao Ricardo num hospital, no meio da Páscoa. Enfim, a história é longa, mas aí finalmente houve abertura pra conversa. A reportagem do Chico foi publicada há quase três anos, em 2017, originalmente pelo Buzzfeed, e depois virou o livro Ricardo e Vânia.

Isabel:

{Nossa, foi uma experiência de vida. Não foi… eu nunca pensei, né, em matéria. O Chico é quem pensava. Mas, pra mim, foi uma experiência de vida. Primeiro pelo medo que eu tinha dele. Eu morria de medo dele. Ele andava muito pela minha região e eu atravessava a rua, morria de medo. E o primeiro dia que nós fomos visitá-lo, eu tava morrendo de medo… E de repente a ligação dele foi comigo. Então, foi emocionante… emocionante. Porque o fato de eu ser mulher, ele ter vivido a grande parte da vida dele no universo feminino fez com que nós nos aproximássemos. E aí eu sentia que ele tinha… ele responde às minhas perguntas muito mais facilmente do que as do Chico. E a minha ligação com ele foi fantástica, fantástica. Olha, você falou e eu tô quando eu cheio de lágrima.

(pausa)

E uma semana antes dele morrer eu fui vê-lo. Na psiquiatria do Mandaqui. E eu entrei na ala, que é fechada, tem guarda, aquelas coisas, sabe, que parece medieval. E eu entrei, e a enfermagem me disse: “a senhora tá procurando alguém?” E ele tava do lado do balcão, lendo uma Bíblia. E eu falei: “ele”. E na hora em que ele viu, ele abriu os braços e falou: “Jane Fonda, você não me abandonou!”

Apresentadora:

Esse era o apelido pelo qual Ricardo gostava de chamar a Isabel…

Isabel:

Então, isso para mim foi assim… a minha despedida… eu não podia imaginar que ele fosse morrer uma semana depois. Mas assim, eu fiquei tão feliz de ter ido no sábado de, sabe, ter lutado pra entrar, porque era aquela coisa, ele não tinha nenhum responsável, então aquelas burocracias… Levei um monte de comida para ele, porque tinha sido aniversário dele, e aí não me deixaram entrar com nada, porque não pode, não pode… E aí a hora que ele me viu, quer dizer, fechou com chave de ouro… Eu falei: eu tinha que ter ido me despedir dele. Foi bem emocionante}

{Trilha sonora que finaliza a entrevista}

{Trilha sonora característica da chegada do Fininho no programa}

Voz masculina:

Que o que pairava no ar era o medo, uma tensão enorme.

Fininho. Coveiro. Filósofo. Colunista aqui do Finitude.

Fininho:

Olha, eu jamais pensei que diria isso, né? Nunca tive medo de nada… Sempre… contei vantagem da minha coragem, que não é pequena, não. Tenho coragem pra muito. Mas… o que eu vi ali foi uma coisa estarrecedora. Estarrecedora.

Apresentadora:

Nos últimos dias, o Fininho foi ao Cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo. O maior da América Latina.

Fininho:

Numa conversa com os outros sepultadores, com os outros coveiros, eu soube — e pude constatar também, pude sentir, né — que um tanto daquilo, dessa linha de frente, um tanto da luta que se tem contra o Covid, os sepultamentos, o ritmo arrefeceu, o número não é tão alto mas, também não dá pra comemorar.

Quando eu cheguei em maio deste ano no Cemitério de Vila Formosa a pandemia já havia começado.
O ritmo dos trabalhos era intenso, eu confesso que o que pairava no ar era o medo, uma tensão enorme. Eram filas e filas de carros funerários, pessoas andando, zanzando, de um lado a outro sem saber ao certo o que tava se passando.
Eram 80 a cada linha. Oitenta coveiros. Abrindo covas e sepultando as pessoas. Por esse tempo, os sepultamentos eram feitos do modo mais rápido possível. E isso me pareceu tão desumano, tão triste, que eu fiquei tão triste não só pelo enterro, mas por nós mesmos, de ter feito aquilo. Aquilo não me pareceu uma atitude muito humana, sem despedida, sem uma oração, sem o devido.. a devida cerimônia para a memória, né?
Já em junho, recrudesceu, foi muito mais intenso… Eu ainda não sabia se tinha suor ou lágrima no olho. Cheguei a chorar várias vezes, e olha que eu tava ali só pra dar apoio, porque eu não trabalho no Cemitério da Vila Formosa, fui só pra dar apoio.

O ritmo das mortes aos poucos vai arrefecendo, vai diminuindo. O que mais me chocou é que chegaram a uma quadra que era quase impossível chegar ali. A quadra do pessoal que morria de meningite. Um sinal muito grande, pra nós que conhecemos o cemitério, de que a pandemia levou muita gente à morte. Foi uma sensação muito dura. E eu sou um homem de quase 60 anos.

{Fim da trilha sonora característica da coluna do Fininho}

Apresentadora:

E, olha só, os nossos amigos do Budejo, que é o podcast que leva o Cariri aos seus ouvidos, e que também faz parte da nossa Rádio Guarda-chuva vão chegar nesta semana ao episódio de número 60, não é pouca coisa, não, hein, minha gente?

A comemoração vai chegar em grande estilo, com a edição “Crônicas do confinamento”. A linguagem visual ta linda, capa de xilogravura, um luxo, escuta só:

TEASER X BUDEJO

{Trilha sonora de violão}

Voz do apresentador:

Quantas histórias estão sendo vivias no isolamento?

Voz feminina:

Mariana só viu meu sorriso quando eu tirei a máscara. Fazia tempo que a gente não se via. Eu parei de contar depois de um terço passado o ano de 2020. E eu que pensei que eu tinha esperado muito por ela.

Outra voz feminina:
E foi na terceira ou quarta semana — se a minha noção de tempo não tiver sido destruída por completo, risos — que ficamos bebendo até tarde, e o Bruno foi deitar primeiro. Quando a gente começou uma brincadeira de imaginar uma Frankenstein feita por mulheres que a gente admirava.

Voz do apresentador:
Crônicas do confinamento. Um episódio especial do Budejo.

{Fim do teaser do Budejo}

{TRILHA FINAL}

Estamos chegando ao final deste episódio do Finitude, não sem antes te lembrar que desde a semana passada estamos também no Medium. Roteiro completo, transcrição inteirinha da narração e das entrevistas, pra você poder indicar também para um amigo ou amiga que seja uma pessoa com deficiência auditiva e que agora — antes tarde, do que nunca — pode acompanhar também o conteúdo aqui do Fini. O link do Medium ta na descrição aí na sua plataforma digital de áudio favorita.

Gostou do episódio de hoje, quer continuar a conversa? Eu to no Instagram como finitudepodcast e no Twitter como podcastfinitude.

Até terça que vem, um beijo pra você!

{Vinheta da rede B9 em que várias vozes dizem: este podcast é apresentado por b9.com.br}